Heranças


 Hoje achei que tinha acordado oficialmente de neura, coisa não muito grave e que normalmente passa no dia a seguir. Mas nem foi preciso tanto. Uma ida ao jardim, uma grande molha a apanhar laranjas e um mergulho em papéis antigos que aqui estão trataram do resto. Nada como, sem querer, desligar. Foi assim que passei parte da manhã no século XIX a tentar perceber como é que o avô Francisco Joaquim de Castro Pereira Côrte-Real que, acabadinho de casar com a Morgada da Oliveirinha, foi a Lisboa como representante do Eixo às Cortes que aclamaram D. Miguel como Rei está  vinte anos mais tarde  na Junta Governativa de Aveiro e se torna, algum tempo depois, seu Presidente da Câmara pelo partido Histórico. Ou seja como é que um miguelista ferranho se junta (literalmente) aos liberais mais radicais. Claro que a resposta mais fácil era a de ter mudado de ideias e ter passado para o "outro lado". Só que isso a mim, que não sei porquê sempre achei graça a este avô, não batia certo. Gente como deve ser ser não faz isso. As ideias podem evoluir, mas a essência fica. E ser troca-tintas não faz de certeza aqui parte do pacote. O que tem piada nestas histórias de família é isso mesmo, perceber quem eram eles, como se moviam, que graças e desgraças iam acontecendo e sobretudo como reagiam. Pegar num nome e descobrir a pessoa.
E foi isso que aconteceu. Afinal na Maria da Fonte os dois lados uniram-se no objectivo comum (o de derrubar o governo cartista de Costa Cabral) mas com fins diferentes. As Juntas Realistas uniram-se às Juntas Governativas em nome do retorno à liberdade em Portugal e como (derradeira, como se viu) tentativa de devolver o trono a D. Miguel. 
Ele não tinha desistido, pelo contrário, foi fiel àquilo que acreditava a vida toda. E espero que esta sua não sei quantos neta também o saiba ser. Aposto que ele também gostava muito de sumos de laranja. 

 

Comentários

  1. De tão importante descrição, resta-me aplaudir o seu conteúdo, que considero de suma importância, o qual peço antes de mais, autorização de partilhar!
    Muito obrigada.

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  2. Ainda vão no D. Miguel? Estamos no século XXI, pelo amor de Deus...

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    1. Aqui não há D. Pedro nem D. Miguel. Ou por outra há porque a pessoa que serve de base à crónica era Miguelista. Mas como parece - me que se entende facilmente a questão de fundo está em ter ou não carácter e defender aquilo em que se acredita. E isso é intemporal.

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