Carlos
Corriam os anos 70 e o Reino Unido debatia-se com uma espiral
de inflação e de desemprego jovem. O então Príncipe de Gales acabava o seu
tempo de serviço na Marinha e iniciava uma nova etapa na sua vida. O seu lema:
“Eu sirvo”. É assim que, em 1976 e com fundos próprios seus, implementa um
programa de pequenas iniciativas comunitárias que pretendiam fazer a diferença
na vida do país, nomeadamente na dos mais desfavorecidos. Esses vinte e um
primeiros projectos tiveram um efeito multiplicador e tornar-se-iam no que é
hoje o Prince´s Fund. À rapariga de 19 anos que conseguiu apoio para montar um
centro social na aldeia onde vivia ou ao ciclista que pode criar o seu posto de
trabalho numa loja de arranjo de bicicletas sucederam-se mais de um milhão de
jovens que desde aí transformaram as suas vidas e as dos outros.
Estava dado o mote para o que seria a sua acção enquanto
Príncipe e, agora, enquanto Rei. Criar conhecimento, promover a comunidade,
respeitar a diferença para alcançar a Harmonia. E esta é, ou este conceito se
quiserem, a mais forte ideia e a mais vezes palavra utilizada em todos os seus
discursos. Fortalecer o sentido cívico, a interajuda a criar tecido social
resiliente, preservar a herança cultural, ligar populações possibilitando-lhes
o desenvolvimento do seu modo de vida nomeadamente na agricultura onde sempre
defendeu práticas sustentáveis
ambientalmente e que pôs em prática na sua propriedade de Highgrove. E foi
também nesse âmbito que surgem o The Prince of Wales´s Charitable Fund e a
Prince´s Foundation, partes de um mesmo todo visionado pelo então herdeiro do
trono ao longo das últimas décadas. Difundir a cultura, as artes e a literatura,
como forma de expressão dos diferentes povos que fazem parte do Reino Unido e
da Commonwealth, fazer com que mais possam alcançar o sentido de beleza e de
sabedoria bem como o equilíbrio essenciais ao ser humano. E ser um dos
primeiros a chamar a atenção para a importância da Acção Climática a nível
global.
Mas será mais ainda na promoção constante do diálogo inter religioso
que esta dimensão acontece e que ganha ainda maior actualidade tanto social
como política. Ao citar o Cardeal
Newman, anglicano convertido ao catolicismo ou no apoio a organizações como a
Ajuda à Igreja que sofre que lutam contra a discriminação e a perseguição
religiosas, ao chamar ao Palácio de St. James os lideres religiosos muçulmanos
duas semanas depois do 11 de setembro quando todos o aconselhavam no contrário
num momento particularmente sensível, ao declarar numa entrevista que gostaria
de ser conhecido como o defensor da Fé, Carlos demonstra, mais uma vez, como o
seu papel como Rei será fundamental numa sociedade cada vez mais diversa que é
a do Reino Unido. A harmonia constrói-se com sabedoria e liberdade e para a
alcançar tem que se saber ler o mundo em que vive. E ele sabe. Bem simbólico de
tudo isto é o “ The Sanctuary”, a capela com símbolos de diversas expressões
religiosas que fez construir na viragem do milénio na sua casa de campo, ele, o
agora chefe dos anglicanos. Ou as alterações introduzidas na cerimónia da
coroação para acolher as diferentes confissões.
Se da sua mãe, a Rainha Isabel II herdou a importância da
tradição (que na realidade significa entrega) e da estabilidade, do pai, Filipe
da Grécia, Duque de Edinburgo, o não conformismo, a curiosidade constante, a
paixão que põe em todas as causas. Dos dois, um enorme espírito de serviço e de
dever.
Profundo, espiritual, preocupado com o todo numa sociedade
cada vez mais individualista e racionalista, aberto à diferença e a construir
pontes num país cada vez mais multiétnico e multicultural que o fascina. Numa
sociedade que vive de pseudo celebridades construídas nos media e agora nas
redes sociais e que vão perdendo e ganhando fama, Carlos é uma constante. Sabe
que nem sempre compreendido, que foi sempre comparado. Nada disso o fez fazer
diferente que o seu patamar é outro. E é dessa diferença que vem o seu maior
poder, o de ser ele mesmo. Um homem de
hoje que projecta o futuro.
Se a sua mãe e anterior Rainha foi a mais dedicada dos
servidores públicos, Carlos terá de continuar esse papel reforçado agora no
sentido de o colocar a ele como o guardião de toda essa herança transmitida de
geração em geração, sempre com capacidade de adaptação aos tempos e que fará
dele também a chave de todo o sistema monárquico pconstitucional britânico,
garante da continuação do funcionamento das instituições e, portanto, do bem
estar das populações. A aliança entre a coroa e o povo, o principal
protagonista desta história. A mais antiga democracia parlamentar do mundo e um
homem comprometido, responsável e sabedor da sua missão. Um sistema que
funciona e uma nova era, a de Carlos III de um Reino que vai continuar Unido.
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